Vivianne
Cohen
André Durão
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“Existe muito interesse pelos dinossauros, o que não existe é verba”,
diz o pesquisador que descobriu nova espécie de réptil
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Faz nove
anos que o paleontólogo Alexander Kellner, 38 anos, iniciou sua aventura em
busca de fósseis de dinossauros na Bacia do Araripe, no Ceará. No 15º dia de
escavações, encontrou uma ossada, hoje identificada como a de um filhote
carnívoro, que viveu há 110 milhões de anos no Brasil, recém-batizado de Santanaraptor
placidus. Junto com os ossos, foram encontrados músculos, couro e vasos
sangüíneos do animal. A descoberta pode fazer os paleontólogos reviverem o
sonho do filme Jurassic Park, de Steven Spielberg: a reconstituição do
código genético de um dinossauro.
De
fascinante, só a descoberta. Depois, foi trabalho duro. Até retirar os ossos de
campo, quebrando as rochas que os circundavam, a equipe do paleontólogo levou
mais de um mês. No laboratório, foi a vez de removerem a camada de sedimento
que cobria os ossos para, em seguida, se debruçarem sobre o microscópio para
tentar determinar a espécie de dinossauro que tinham em mãos. Entretanto, o
estudo teve que ser paralisado porque Kellner e sua equipe só dispunham de
equipamento para analisar os ossos do animal. O tecido foi enviado para os Estados
Unidos, mas os paleontólogos americanos também não souberam lidar com o
material. “Nunca ninguém tinha se deparado com um exemplar da espécie. O Santanaraptor
é único”, conta. Os restos mortais do dinossauro foram devolvidos, então, ao
Museu Nacional. Só em 1996 Kellner conseguiu verbas do governo para prosseguir
em sua empreitada de analisar a estrutura do animal.
Mas nem
só de histórias com final feliz vive o caçador de dinossauros. Numa viagem
recente ao deserto do Atacama, o lugar mais seco do mundo, o carro de Kellner
quebrou a cerca de 50 quilômetros do lugarejo mais próximo. Para piorar a
situação, ele foi surpreendido por uma chuva passageira e rara no deserto. Teve
que andar, encharcado, na areia, em busca de ajuda. “A vida de um paleontólogo
não tem nada de Indiana Jones”, brinca.
Antes de
partir para suas expedições, Kellner abastece sua mochila com alimentos
enlatados e macarrão. O ofício o obrigou a aprender a cozinhar. “O que faço
melhor é café”, brinca. Dependendo do local da expedição, os banhos são raros.
“Aprendemos a conviver com as privações”, diz. “Mas basta encontrar um osso
para valer a pena.”
Nos
acampamentos, os pesquisadores costumam se revezar nas “tarefas domésticas”,
tais como lavar a louça e a roupa. Quando está no Rio, Kellner não descansa.
Habitualmente faz cooper na praia de Copacabana em busca de preparo físico para
enfrentar as próximas aventuras.
ESCAVAÇÃO
COM OS FILHOS Filho de
pai alemão e mãe austríaca, o paleontólogo nasceu em Liechtenstein e, aos
quatro anos, mudou-se para o Brasil com a família. O gosto por animais
pré-históricos surgiu por causa de um desenho animado, os Herculóides, no qual
um dos personagens era um dragão. “Quando me perguntam para que estudar os
fósseis, eu costumo perguntar: para que saber quem descobriu o Brasil? É
simples. Faz parte da História.”
Depois de
se formar em Geologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e fazer
mestrado, Kellner foi cursar doutorado na Columbia University, em 1991, num
programa que a universidade mantém com o Museu de História Natural. Cinco anos
mais tarde, ao regressar ao Brasil, Kellner se naturalizou. Apesar de ter
recebido várias propostas boas de emprego por lá, o paleontólogo preferiu
trabalhar no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje,
ele sobrevive com o salário de R$ 3 mil como professor-adjunto da UFRJ. “Lá, eu
seria mais um pesquisador. Aqui, tenho mais chances”, explica.
O
trabalho começou dentro de casa. Divorciado e pai de Alexandre, 13 anos, e
Guilherme, 11, Kellner levou os filhos há um mês para uma escavação em Minas
Gerais. Queria que eles vissem de perto a sua rotina. Mais do que uma aventura,
a expedição teve outro objetivo. “Quero que eles aprendam a respeitar e saibam
a importância do trabalho do paleontólogo. É isso o que falta no Brasil”, diz.
É o que Kellner pretende mostrar com as exposições que monta no Museu Nacional.
Uma delas, No Tempo dos Dinossauros, em 1999, foi a mostra científica
temporária mais visitada no País, levando 220 mil pessoas ao museu. “Existe muito
interesse pelos dinossauros, o que não existe é verba.”